Paulo Gabriel Soledade Nacif

“Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô”

Caetano Veloso

Hoje, 25 de dezembro, é dia do Recôncavo lembrar de Dona Canô. Há nove anos, neste dia, ela nos deixava em direção ao Orum!

Depois de muitos anos de implantada, a UFRB é uma realidade e a história da luta pela sua constituição vai, compreensivelmente, ficando para trás. Há quem faça questão de declarar que “a mobilização pela criação da UFRB pouco significado teve, na medida em que a expansão do ensino superior era algo anteriormente definido pelas estruturas de poder”. Para isso, como prova dessa estranha tese, citam o Programa REUNI, que veio logo após a criação da universidade. Não estava presente no momento dessa declaração.  pergunto a eles por que então a expansão do ensino superior federal na Bahia começou exatamente aqui? Por que começou aqui no Recôncavo e não em outras regiões com maior dinamismo econômico e maior importância política?

A Escola de Agronomia era um bom motivo? Um campus, com apenas um curso de graduação  e um mestrado, até poderia ser uma boa razão, mas não era suficiente para sensibilizar quem tomava decisões. Não há outro caso de um  campus, pequeno como o nosso, transformado em sede de uma nova instituição à mesma época.

Não tenho dúvidas, a mobilização da comunidade foi o fator determinante para que, registre-se, contra um prognóstico inicial presente no próprio Governo Federal, a expansão do ensino federal superior na Bahia começasse pelo Recôncavo. A mobilização chegou a câmaras de vereadores, escolas, sindicatos, Clube de Diretores lojistas, deputados, senadores. Mobilizamos todo o Recôncavo e a Bahia. E, no percurso da construção da UFRB, precisamos lembrar da participação de Dona Canô nessa história. 

Ainda em 2003, fui levado a Dona Canô, que logo disse: “Uma universidade vai ser tão bom. Eu me preocupo tanto com os jovens, eles param de estudar, ficam sem emprego. Eu vou falar com Lula”. E depois disso, ela participou ativamente da campanha, emprestando a sua imagem, sua assinatura, vestindo a camisa, dando declarações e, inclusive, falando com Lula. Em uma reunião em Brasília, após ser cobrado por grandes lideranças políticas sobre a criação da UFRB, o Presidente Lula disse com muito carinho: “Essa universidade do Recôncavo é um pedido de Dona Canô!” O professor Henrique Paim, ex-Ministro da Educação, sempre lembra da preocupação do Presidente Lula em cumprir os acordos com Dona Canô. Ele brinca: “Ela era poderosa!”

Em 2004, quando houve a reunião do Conselho Universitário da UFBA para aprovar o desmembramento da Escola de Agronomia para a criação da UFRB, lá estava Dona Canô no Salão Nobre da UFBA. Um Conselheiro, que fazia oposição ao mandato do Reitor Naomar, me chamou à parte e brincou: “Vocês estão indo muito rápido! Uma instituição como a UFBA não pode ficar sem um curso de Agronomia! Eu ia pedir vista ao Processo, mas fique tranquilo, não vou fazer isso na frente de Dona Canô”.

Em 2006, quando o Presidente Lula veio lançar a UFRB, lá estava Dona Canô. Ela foi até Cachoeira, visitou as obras do Quarteirão Leite Alves com o Presidente, mas a família preferiu que ela não o acompanhasse até Cruz das Almas para não cansá-la demais.

E, por favor, não duvidem: Dona Canô, até o final, sempre teve a exata dimensão do que fazia. Em fevereiro de 2012, portanto, poucos meses antes dela partir, em visita a Santo Amaro, com uma delegação da UFRB, fomos convidados para tomar um suco com Dona Canô. Ela disse: “A universidade agora tem que vir para Santo Amaro. Uma universidade vai ser tão bom. Eu sempre me preocupo tanto com jovens, eles param de estudar, ficam sem emprego.” Exatamente o que tinha dito há nove anos.

Nessa última vez em que estive com ela, chegamos à casa, conduzidos por Rodrigo, um de seus filhos. Eu estava muito preocupado em causar algum incômodo a uma senhora de 104 anos. Disse-lhe: “Benção, Dona Canô”. E ela respondeu, brincando, com um sorriso delicado e me deixando à vontade: “Meu filho eu abençoo tanta gente simples aqui em Santo Amaro, quanto mais um REI-TOR”.

Sua vida merece ser lembrada e celebrada!

Lembro que ao final dessa nossa última visita, escutei de uma professora: “Em meio a tantas coisas geniais que Caetano Veloso e Maria Bethânia fizeram, ainda acho que a maior obra-prima deles é Dona Canô.” Realmente, revelar para o Brasil o encanto e a sabedoria singular de uma mulher comum do Recôncavo é uma tarefa para gênios!

Um dia ela voltará numa “estrela colorida e brilhante, de uma estrela que virá numa velocidade estonteante” e, mais uma vez, “aquilo que nesse momento se revelará aos povos, surpreenderá a todos, não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto, quando terá sido o óbvio“.