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Câmeras fotográficas e filmadoras disputam o melhor ângulo para captar o entrevistado. Há um empurra-empurra entre os presentes na sala. Sentado em frente à mesa está o secretário nacional do Ministério da Educação (MEC), Paulo Gabriel Nassif. A cena, para ele, pode ser comum. O que foge à normalidade é o local da entrevista e as repórteres que conduzem a pauta.
O titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC) esteve na localidade de Rincão dos Marques, interior de Canguçu, nesta sexta-feira (10). Caroline e Larissa, alunas do 8º e 9º ano da Escola Gonçalves Dias, foram as responsáveis pela entrevista. A matéria é uma das pautas para a próxima edição do jornal produzido pela escola.
Durante a visita, alunos das escolas Marechal Floriano, Castelo Branco e Gonçalves Dias se revezaram nas apresentações artísticas marcadas pela diversidade étnico-cultural. Entre os professores e estudantes houve relatos marcantes sobre o projeto Multiplicando Saberes e Pensamentos, implantado de forma pioneira no município através de uma parceria entre a empresa Safra Remix e a Prefeitura de Canguçu, através da Secretaria de Educação e Esportes (SMEE).
A iniciativa possibilitou o desenvolvimento de uma metodologia interdisciplinar inovadora, misturando Linguagem, Ciências Exatas, Artes, Ciências Humanas, Comunicação e Consciência Ambiental, dentre outras áreas do conhecimento.
Na prática, as três instituições de ensino receberam modernas impressoras capazes de produzir quase 200 cópias por minuto. A tecnologia avançada também agrega responsabilidade ambiental. Depois de passarem por oficinas de formação, professores e alunos iniciaram a produção de jornais.
O material é fruto de pesquisa feita pelos próprios moradores das localidades rurais. De gravador na mão, estudantes vão em busca das informações para a próxima edição do periódico. Entre uma pauta e outra, os membros de cada comunidade descobrem um protagonismo até então inédito para a construção do conhecimento.
Implantado em parceria com o Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, o trabalho também ajuda na construção da memória das entidades quilombolas. Na quarta edição do ‘A Toca da Onça’ – editado pela Escola Gonçalves Dias – a reportagem destacada na capa mostra a Associação do Quilombo de Passo do Lourenço. O texto traz histórico, entrevista e fotos dos integrantes.
Para o secretário Paulo Nassif, a iniciativa implantada na localidade “impressiona positivamente e “precisa ser irradiada para outros pontos”.
– O que eu percebi neste local é que estamos diante de uma comunidade educadora. O que vimos aqui nos dá forças para seguir em frente. A dedicação de vocês nos desafia. Espero voltar aqui em outras ocasiões – disse, salientando que o trabalho inaugurado pela educação municipal poderá ser reaplicado em outras regiões.
De Canguçu o projeto já foi expandido para escolas do Maranhão. Um reconhecimento e tanto para uma prática transformadora, que trouxe ao interior de Canguçu o secretário nacional do MEC e que colocou as jovens Caroline e Larissa na condição de responsáveis por divulgar uma notícia que poderá ganhar o Brasil inteiro.
Notícia publicada no site Município de Canguçu em 10 de julho de 2015.

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A REDE de universidades federais, constituída a partir da década de 1930, apresenta assimetrias significativas entre os Estados e é surpreendente que as elites e, particularmente, os representantes políticos tenham assistido à instalação desse sistema sem discussões que evidenciassem essa questão, cujas características não podem ser confundidas com as desigualdades regionais presentes no debate nacional desde o Brasil império.
Seguramente, os Estados que conquistaram vantagens na implantação de universidades federais nos seus territórios foram dotados de mecanismos de desenvolvimento que vão se revelar superiores a alguns outros que historicamente pautaram agendas nacionais de bancadas de deputados e senadores de todas as regiões. O Rio Grande do Sul recebe cerca de 8% do total do orçamento destinado às universidades federais, valor superior à soma dos percentuais destinados a Santa Catarina e Paraná. No Sudeste, Minas Gerais possui uma invejável cobertura de campi universitários federais e, em São Paulo, o sistema público é mantido prioritariamente por recursos estaduais.
No Nordeste, Pernambuco e Paraíba estão entre os Estados da Federação mais beneficiados quando se analisa os investimentos da União na educação superior, notadamente em relação à população e ao PIB. Por outro lado, a Bahia possui um número de matrículas/mil habitantes quase cinco vezes menor do que o da Paraíba e duas vezes menor do que o de Pernambuco. Por qualquer critério de análise, essas assimetrias se repetem em todas as regiões do país.
O poder que cada Estado possuiu em diferentes períodos e os interesses de suas elites certamente contribuíram para moldar o sistema universitário federal e estabelecer, adicionalmente, outras formas de financiamento da universidade pública. A história ressalta o sentimento autonomista de personagens que lideraram a política baiana até o golpe militar de 1964. A criação da USP é relatada como uma emblemática ação da elite paulista em busca de fortalecimento no plano cultural. Nos Estados do Sul existem as universidades municipais, e a estrutura social permitiu a criação de universidades comunitárias que desafiam o conceito tradicional de educação pública superior.
Em alguns Estados, o reduzido aporte de recursos federais levou à criação de robustos sistemas estaduais. Mesmo considerando-se relevante a ação estadual no ensino superior, não é razoável supor que a sua presença resolve o problema das assimetrias da rede de universidades federais, na medida em que, no modelo atual, se penalizam exatamente os orçamentos dos Estados que mais investem no setor. No caso de São Paulo, devido à potente economia do Estado, a reduzida presença da União poderia ser entendida como positiva cooperação paulista à Federação. No entanto, como exposto, mesmo excluindo o Estado bandeirante das análises, as desigualdades permanecem significativas.
As assimetrias na distribuição de recursos federais para a educação superior terão consequências ainda mais profundas no futuro, na medida em que os processos de desenvolvimento do Brasil e seus Estados se associam cada vez mais a fatores relacionados ao ensino superior, ressaltando-se: a ampliação da capacidade de criar e trabalhar com o conhecimento, com ênfase em tecnologia e inovação que contribuam com a agregação de valor aos produtos gerados nos processos socioeconômicos; o comprometimento da sociedade com a ampla formação de cidadãos qualificados e capazes de aprender continuamente ao longo da vida; formar e consolidar redes de confiança compartilhada entre as instituições e as pessoas nas diferentes regiões.
Não se pode esperar que um sistema social moldado há quase um século seja remodelado por decisões de médio prazo e, dada a complexidade dos conceitos envolvidos na questão, não será possível o estabelecimento de divisões orçamentárias rígidas.
No entanto, a sociedade brasileira pode incluir esse tema nos debates do Plano Nacional de Educação para o período 2011-2020, visando à busca de mecanismos de redução das profundas assimetrias aqui destacadas.
Texto publicado na coluna Opinião da Folha de São Paulo em 05 de abril de 2010.

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A ESTRUTURA departamental substituiu a organização acadêmica em cátedras e conquistou uma hegemonia tão significativa que, num certo período, a sensação era a de que havíamos atingido “o fim da história” no que diz respeito aos aspectos mais importantes da organização da universidade. Não obstante tenha sido implantada na universidade por medidas ditatoriais, a ideia da estrutura departamental já vinha sendo discutida na academia brasileira. O decreto-lei 252/67 instituiu o departamento como a menor fração da estrutura universitária para efeitos de organização administrativa e didático-científica e de distribuição de pessoal. Buscava-se a nucleação dos campos do saber, organizados em diferentes áreas de conhecimento.
O departamento representou efetivos avanços na organização da universidade, mas começa a ser conceitualmente superado.
Assim, buscam-se formas de garantir tais conquistas, adaptando-as a novas estruturas, mais flexíveis e com maior capacidade de interagir dentro e fora da universidade.
Uma das principais críticas ao departamento o define como um nível de poder refratário a interações, altamente resistente a mudanças decorrentes de necessidades institucionais ou da própria ciência que ele representa na universidade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, publicada em 1996, possibilitou diferentes experiências de estruturação das universidades: novos modelos de organização das unidades acadêmicas têm surgido. No entanto, na maior parte das instituições, o departamento mantém-se aparentemente incólume, mas tem tido uma diminuição da importância na efetividade das atividades fins da universidade. Isso leva alguns críticos a afirmar, com exagero, que o departamento já não existe para além de instância cartorial.
Algumas mudanças circunscrevem-se às nomenclaturas, mantendo a estrutura departamental quase intacta. A maior parte das experiências tem como foco a ação interdisciplinar. Infelizmente, mesmo nesses casos, a realidade revela uma distância ainda considerável da interação entre disciplinas, na busca, por exemplo, da integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia e da organização do ensino e da pesquisa.
Não é raro perceber que, mesmo extinto, muitas vezes, o departamento permanece lá, como um “membro fantasma”, e muitos sonham com a sua volta para que haja consonância entre a concepção de ciência que ainda molda o fazer acadêmico e a ação administrativa.
As mudanças ocorrem com maior efetividade onde a proximidade das áreas de conhecimento permite interações imediatas e, evidentemente, também não há querelas acadêmicas e administrativas. O professor Alex Fiúza, ex-reitor da UFPA, destaca que, “certamente, a nova estrutura, per se, não garante os objetivos perseguidos, que sempre dependerão das motivações coletivas, do jogo das mentalidades, da ética profissional e da atitude cidadã dos atores”.
A transformação dos departamentos em estruturas mais adequadas à universidade contemporânea vem ocorrendo num acentuado processo assistemático.
Nas universidades públicas, isso ocorre, inclusive, porque a comunidade acadêmica se compõe, em sua maioria, por uma geração de professores tão especializados e, felizmente, com tanto trabalho, que ainda não foi seduzida a debates dessa natureza.
Como consequência da ausência da reflexão sistemática sobre o assunto é comum a temerária alternativa de criação de estruturas paralelas, com sombreamentos evidentes com as funções departamentais.
Instâncias governamentais, associação de dirigentes e sindicatos não se interessaram ainda em produzir discussões sobre o assunto.
A extinção/mudança dos departamentos necessita ser acompanhada de uma ampla reflexão que delineie estruturas sucessoras efetivas. Nesse aspecto, a diferenciação entre as dimensões acadêmica e administrativa e a explicitação dos espaços de interação e individualização dessas dimensões na universidade ainda carecem de respostas mais refinadas.
Assim, mesmo com certo consenso de que as estruturas departamentais estão obsoletas, elas ainda persistem, inclusive porque representam a forma de resistência à superação das antigas linhas de demarcação, que significam não apenas interesses menores, como muitos destacam, mas também, ressalte-se, porque representam um porto seguro num período de tantas indefinições paradigmáticas em todos os domínios do saber.
Texto publicado na coluna Opinião da Folha de São Paulo em 26 de janeiro de 2010.

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Octávio Mangabeira, Governador da Bahia entre 1947 e 1951, chamou de “enigma baiano” a crítica situação em que encontrou o estado, retratada por diversos indicadores sócioeconômicos. Atualmente pode-se usar essa mesma expressão quando se analisa a história dos investimentos federais no ensino superior baiano.
Desde a década de quarenta do século XX, quando a criação de universidades federais ganhou grande impulso no Brasil, o estado não acompanhou outras unidades da federação na conquista de instituições desta natureza. Por muito tempo a Bahia mantevese e, mais grave, contentou-se, com apenas a Universidade Federal da Bahia, instituição criada em 1946, na capital do estado. A UFBA se tornou referência de qualidade em todo o Brasil, mas não pôde responder, isoladamente, pela demanda de todo a Bahia.
Nosso Estado possui dimensões territoriais, economia, população e uma multipolarização dos espaços urbanos que sempre justificaram a existência de outras universidades federais. Isso evidencia um grave desvio do pacto federativo que ocorre sob o incômodo silêncio de sucessivas gerações de baianos. Causa espanto a ausência de histórias de lutas por implantações de universidades federais nas diversas regiões da Bahia.
Para além do senso comum, ao se considerar o tempo do nosso atraso nesse assunto, é razoável aceitar a possibilidade de que isto se deve mais à falta de priorização de todos os setores da sociedade baiana – o que é ainda mais preocupante – do que somente à expressão de prioridades de algum grupo político específico.
No período considerado (da década de quarenta aos dias atuais) o Brasil passou por regimes democráticos e autoritários, mas, a exceção de Jânio Quadros e Collor de Melo, todos os Presidentes da República criaram universidades federais em diferentes estados. A Bahia, no entanto, nunca reivindicou tratamento à altura da sua importância política, cultural, social e econômica.
É necessário evidenciar que em todos os governos a Bahia sempre teve forte influência política. Nesse período a Bahia produziu grandes intelectuais, de diferentes correntes ideológicas, que exerceram importantes funções públicas nos sucessivos Governos Federais, a exemplo de Anísio Teixeira, Luís Viana Filho e Navarro de Brito. A economia do estado se diversificou e surgiram muitas lideranças empresariais modernas. Os movimentos sociais se diversificaram e se fortaleceram. A organização sindical seguiu a mesma dinâmica.
Como explicar este enigma? Atualmente a Bahia apresenta relativamente o menor número de matrículas no ensino federal superior no nordeste e o segundo pior do Brasil (superior apenas ao Estado de São Paulo). A relação de 1,49 matrículas para cada mil habitantes, apresentada pela Bahia, corresponde à metade da apresentada por Pernambuco. Nosso estado recebe anualmente uma parcela do investimento federal no ensino superior menor que os valores destinados aos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Paraíba, Pernambuco, São Paulo e do Distrito Federal. Os recursos destinados à Bahia estão próximos daqueles destinados a estados como Santa Catarina, Ceará e do Rio Grande do Norte, que possuem populações muito menores.
É certo que na atualidade essa marcante característica da elite política e intelectual baiana começa a mudar. Mas é necessário reconhecer que o tema ainda não atingiu a centralidade que merece na definição de prioridades da sociedade baiana. Mesmo considerando-se os significativos avanços apresentados nos últimos cinco anos, a situação continua amplamente desfavorável ao nosso estado, como se demonstrou acima.
O Governo do Presidente Lula ao criar a UFRB e implantar campi da UFBA e da UNIVASF no interior da Bahia pode representar o ponto de inflexão dessa histórica situação que tantos prejuízos culturais, sociais e econômicos causam ao estado. No entanto, será necessário esperar as próximas ações da nossa sociedade e, particularmente, dos nossos representantes políticos de todos os matizes para verificar se entramos efetivamente numa nova era no que diz respeito aos investimentos federais no ensino superior baiano ou se desafortunadamente esse enigma continuará nos devorando.
Texto publicado no Jornal A Tarde o em 20 de setembro de 2009.