• Home
  • Apresentação
  • Quem somos
  • O que é?
  • Nossas ações
  • Parceiros
  • Blog
  • Fale conosco
  • Projetos ativos

UNEBIAR

Detalhes
Publicado: 06 Junho 2023

A Bahia foi, nos primeiros séculos da história do Brasil, o lócus principal do encontro entre colonizadores, nativos e africanos escravizados. Nesse processo somos o palco do nascimento das primeiras instituições brasileiras e, indo além, de todas as Américas. Como diz nosso Gil:  “Que Deus entendeu de dar/ Toda magia / Pro bem, pro mal / Primeiro chão da Bahia/ Primeiro carnaval / Primeiro pelourinho também /Que Deus deu…”

É compressível que a nossa Bahia tenha muitas instituições que no seu estado da arte, em cada momento histórico, expressam nossos encontros, desencontros, resistências, rebeliões, negociações e redimensionamentos culturais.

Cada instituição, cada política pública, cada espaço de cidadania tem uma história que merece ser reverenciada e contada para as novas gerações. A UNEB aguça a minha imaginação e sempre que visito ou passo por um dos seus campi Bahia afora, fico pensando quão dura e significativa foi aquela conquista.

Vale lembrar que ainda no século XVI, em lugares como Salvador, Porto Seguro e Ilhéus, já haviam escolas para filhos de portugueses, onde os jovens recebiam aulas de gramática, latim, música, humanidades, retórica, filosofia e teologia. Com o tempo, os conteúdos formativos, a metodologia, as avaliações e o rigor do ensino conferiam um alto nível pedagógico e cultural a essas inciativas, fazendo com que, na prática, algumas funcionassem como ensino superior mesmo sem nunca ter sido oficializado como tal. A UNEB e outras instituições de ensino superior da Bahia vêm de longe e ainda precisamos escrever as trajetórias que nos levam a esse passado e como desafiamos os cânones europeus e estamos escrevendo novas páginas a partir das matrizes culturais afroindígenas!

Fico a pensar nos desafios pioneiros. Primeiro, com escolas isoladas depois reunidas numa universidade. Campi sendo criados, as dúvidas administrativas e orçamentárias, a construção dos primeiros projetos pedagógicos, a necessidade de improvisação, as desconfianças, o imperativo de se diferenciar com altivez de projetos políticos menores que algumas vezes foram o motivo inicial para a implantação de um campus. As primeiras pesquisas, o início da extensão, a luta por merecer o título de universidade – ali, naquele lugar. O desafio de implantar um campus universitário – a política pública mais sofisticada que um lugar do mundo pode sonhar e que, naquele caso, chegou antes de tantas outras políticas.

Num Estado profundamente soteropocentrista, essa história da UNEB impressiona. Ainda me lembro, criança em Itabuna ou Teodoro Sampaio, aprendendo noção de espaço e completamente confuso ao ouvir os adultos, preparando-se para viajar a Salvador, falarem: “Vou para a Bahia”. Muitas vezes a minha sensação é que eu não estava em lugar nenhum.

A UNEB é um grande exemplo de superação do povo baiano. Não o único. Seguramente cada instituição tem a sua história e suas singularidades não comparáveis. Ao afirmar isso, homenageio todos os esforços de tantas instituições públicas baianas, particularmente todas as nossas instituições públicas de ensino superior. Escolho a UNEB como símbolo pela radicalidade que o seu projeto apresenta na democratização da educação superior pública Baiana. Ela é um símbolo maravilhoso de uma Bahia que deu certo, independente dos “donos do poder” de plantão.

Lembro que no processo de implantação da UFRB, a cada novo campus havia sempre quem dissesse: “o senhor está querendo concorrer com a UNEB?” E eu, sem poder responder, pensava: “Quem me dera, quem me dera!”

Foi por isso que fui tomado de satisfação quando coube à UNEB ser a primeira instituição a se encaixar na nova diretriz do CEE-BA de transformar o momento de recredenciamento das instituições de nível superior da Bahia em um diálogo com a sociedade baiana sobre a importância e qualidade dessas organizações!

A atual geração de Conselheiros e Conselheiras decidiu realizar um esforço contributivo que possibilite a sociedade baiana vivenciar mais o dia-a-dia das atividades do nosso Conselho e assim entender, ainda mais, a complexidade do processo educacional brasileiro e como é importante a colaboração de todas essas instâncias para que, ao fim e ao cabo, se tenha sucesso na educação. É um caminhar duro e trabalhoso, mas precisamos enfrentá-lo. Em educação não existem atalhos, bala de prata ou soluções milagrosas.

Foi muito auspicioso presenciar, no dia 01 de junho último, a UNEB abrir e iluminar o seu auditório para receber a sua comunidade e a sociedade de todo o Estado para a solenidade de seu recredenciamento pelo órgão que regula o Sistema Estadual de Educação da Bahia.

Consideramos que essa foi uma importante oportunidade da UNEB mostrar a potência nas frentes de atuação das universidades: Pesquisa, ensino de graduação e pós-graduação, extensão, inovações tecnológicas, gestão financeira e infraestrutural, direitos humanos, inclusão, políticas afirmativas, internacionalização, sustentabilidade, acessibilidade, tecnologia da informação e comunicação e sistema de bibliotecas, dentre outras.

Para além disso, ampliamos o alcance do debate sobre Avaliação Institucional.  É muito importante explicitar à sociedade que a universidade pública brasileira é, muito provavelmente, a instituição mais auditada da administração brasileira.

Nesses quarenta anos como universidade, nosso desejo é que a UNEB possa ser cada vez mais UNEB e assim consiga UNEBiar a Bahia, o Brasil e o mundo. Precisamos cada vez mais de técnicos, profissionais das artes, das letras, das humanidades, das ciências da terra e da natureza bem formados como intelectuais livres, intelectuais públicos e capazes de enfrentar debates na arena sociopolítica. Precisamos, cada vez mais de UNEB´s.

Nunca precisamos tanto de uma universidade. Ela é a principal matriz da intencionalidade pública de edificação de uma cultura das culturas. No momento em que a arena sociopolítica nacional e do mundo é cada vez mais tomada por disputas de narrativas que estabelecem que a criação e a modelagem da opinião pública, e mesmo de políticas públicas, devem ocorrer mais aos apelos e às emoções e às crenças pessoais do que aos fatos objetivos, é crucial não nos deixarmos contaminar por isso, ao contrário, precisamos contaminar o mundo com a nossa busca por uma cultura do saber, fortalecimento das artes e da solidariedade.

 

Vídeo do CEE-BA sobre o Recredenciamento da UNEB.

 

Sessão Solene de Recredenciamento da UNEB.

UFRB: 20 ANOS

Detalhes
Publicado: 14 Março 2023

O dia era 14 de março de 2003.

Após um tumultuado processo de sucessão (espero que a UFRB não herde essa característica), a Escola de Agronomia da UFBA, que tinha perdido o dom de sonhar, cochilou por alguns segundos e, num momento de descuido das forças hegemônicas, venci a eleição para Diretor. Nos últimos dias da campanha os outros dois candidatos construíram uma aliança, felizmente, sem sucesso.

Por uma deferência do Magnífico Reitor Naomar de Almeida-Filho, pela primeira vez na história, o Conselho Universitário da UFBA se reuniu, fora de Salvador, para a cerimônia de posse daquela que era a única instituição federal de ensino superior no interior da Bahia. Sempre Naomar!

Conforme combinado, após a minha posse foi incluído como ponto de pauta na reunião do Conselho Universitário a discussão sobre a transformação da Escola de Agronomia da UFBA na Universidade Federal do Recôncavo. Interessante, só prôpus o complemento “da Bahia” depois, quando percebi que era assim que a região era denominada nos registros mais antigos. Recôncavo da Bahia. Como deliberação, ficou definido o estabelecimento de uma comissão para apresentar ao MEC a proposta de desmembramento da Escola de Agronomia para criação da nova universidade.

Na Escola de Agronomia, perplexos, muitos anunciaram o fim do mundo. Na década de 1990 a entrada de professores nas universidades federais era a conta-gotas. Eu era o mais novo docente do campus. Após ser eleito Diretor, propor, já na posse, a criação de uma universidade, era uma ousadia muito grande para aquela comunidade em estágio de letargia. Lembro do querido Luiz Haroldo, comentando: “Tem gente em pânico, dizendo que você vai destruir a Escola de Agronomia!”

o Então Deputado Walter Pinheiro, presente na posse, discursou, com fina ironia: “Aviso aos desconfiados e alarmistas que Paulo Gabriel não vai acabar com a Escola de Agronomia, no máximo vai transformá-la na primeira universidade federal do interior da Bahia.”

Há vinte anos, éramos poucos, pouquíssimos! A comunidade acadêmica do Recôncavo que apostava nessa ideia de uma “tal UFRB” era composta por Geraldo Sampaio, Alícia, Gilca, Dayse, Carlos Augusto, Rosilda, Railda, Luiz Haroldo, Ana Coelho, Aída, Edson (Café) e mais alguns poucos. Só esses! No mais? Tratavam o assunto com desdém e “conversa mole de Paulo Gabriel e Naomar.”

Havia muita esperança no ar! O povo do Recôncavo, ainda em júbilo com a posse do Presidente Lula, ocupou o campus. Delegações de movimentos sociais, prefeitos, lideranças de todo o Recôncavo e da Bahia, tomaram o campus de Cruz das Almas, numa festa de proporção inesperada e inesquecível. Começamos, naquele dia, uma das maiores mobilizações populares da história do Recôncavo e, considerando a trajetória dessa região, isso não é nada desprezível!

Sônia Bahia, esposa de Geraldo, liderou uma equipe que preparou um impecável café da manhã colonial para os convidados e dona Risoleta (quanta saudade dela!), passou a noite decorando o Salão Nobre.

Lembro muito bem: quando eu terminei o discurso, as palmas estavam cessando, um negro de dois metros de altura grita de lá: “navio negreiro já era, agora quem manda é a galera, nessa cidade nação! Viva Castro Alves que hoje completa 156 anos de nascido aqui no Recôncavo”. Era rara manifestações como aquela no Salão Nobre da velha Escola de Agronomia. Tenho Certeza, foi ali que o zeitgeist atingiu o Recôncavo e nos embalou para a conquista daquela que vinte anos depois, contra a previsão da maioria, se transformou na maior, mais inclusiva e mais negra universidade federal criada no Brasil nesse período. Espero que esse Espírito do Tempo não nos abandone. Ele faz muita falta!

Lembro que ao final desse lindo dia, os professores da UFBA, Osvaldo Barreto (Diretor da Escola de Administração) e Albino Rubim (Diretor da Escola de Comunicação ), se despediram,  brincando e assustando aquele jovem Diretor, ainda perplexo com tudo aquilo: “isso não foi uma posse de diretor, foi posse de reitor”.

O RIO DANDO AULA DE BAHIA

Detalhes
Publicado: 21 Fevereiro 2023

Que Beija-Flor linda!

Como não tremer com um samba tão magistral? “Naquele 2 de julho o Sol do triunfar/ E os filhos desse chão a guerrear/ O sangue do orgulho retinto e servil/ Avermelhava as terras do Brasil”.

Sabe lá o que é gritar em rede mundial de televisão e computadores que quem comemora o Sete de Setembro é demagogo e que a “Ordem é o mito do descaso/ Que desconheço desde os tempos de Cabral / A lida, um canto, o direito/ Por aqui o preconceito tem conceito estrutural”. A denúncia de um Brasil organizado socialmente sob o preconceito estrutural está lá, expressando a nossa marca mais perversa e de difícil superação!

Já me contaram que no projeto inicial, J.J. Seabra propôs que a Avenida Sete, a mais tradicional de Salvador, tivesse 2 de Julho como topônimo, mas naquele início do Século XX, os financiadores exigiram que ela fosse denominada Sete de Setembro.

O Centro-Sul do Brasil parece odiar o nosso 2 de Julho. Ao editar o Decreto 9.853/2019 que criou a “Comissão Interministerial Brasil 200 anos”, Bolsonaro determinou: “Os trabalhos da Comissão Interministerial Brasil 200 Anos serão encerrados até o dia 1º de março de 2023, mediante apresentação do relatório final”. Ou seja, explicitamente impediu que o nosso 2 de julho integrasse o ciclo de comemorações oficiais do Bicentenário da Independência do Brasil. Alguém precisa sugerir a Lula que corrija e impeça essa agressão ao Povo Baiano. Ainda dá tempo!

Três Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro colocaram a Bahia como enredo em 2023. Além da Beija-Flor, fomos homenageados pela Unidos da Tijuca e pela Estação Primeira de Mangueira. Um dia ainda vou fazer um levantamento de todas os enredos dessas escolas que já trouxeram a Bahia como tema! Esse é um material tão rico que me parece um antídoto perfeito a qualquer problema de autoestima que algum baiano desavisado tenha!

A Unidos da Tijuca cantou “Um banho de axé pra purificar/ Um banho de axé nas águas de Oxalá/ Sou tijucano rompendo quebrantos/ Eu canto a Baía de Todos os Santos.”

A Estação Primeira de Mangueira entrou majestosa: “Oyá, oyá, oyá eô!/ Ê matamba, dona da minha nação/ Filha do amanhecer/ carregada no dendê/ Sou eu a flecha da evolução/ Sou eu Mangueira, a flecha da evolução/ Levo a cor, meu ilú é o tambor/ Que tremeu Salvador, Bahia/ Áfricas que recriei/ Resistir é lei, arte é rebeldia”.

Enquanto na Bahia “a gente bebe pra sentar” e não vai além da “zona de perigo”, é maravilhoso ver a força do samba-enredo carioca.

O carnaval da Bahia é insuperável, mas até preocupa quando ouço que o carnaval Carioca e Paulista está se “baianizando”. Espero que isso diga respeito à deliciosa cultura de blocos e não às entediantes músicas que ultimamente tomaram conta da cena do nosso carnaval e que não expressam a nossa reconhecida e testada criatividade!

Talvez haja espaço para políticas públicas nesse campo. Como contribuir para um brilho ainda mais reluzente da incrível criatividade baiana? Quantos cariocas participam, todos os anos, dos concursos de sambas-enredo das centenas de escolas de samba das diversas divisões que compõem a estrutura do carnaval do Rio de Janeiro? Isso é um programa de formação continuada (não formal) muito potente! A maior incubadora de talentos musicais do Brasil. O resultado é visível. Imagine os Blocos de Carnaval da Bahia  promovendo festivais de música baiana durante o ano?

A minha esperança está nos Blocos Afro e na criatividade de gente como a turma da BaianaSystem! Os Blocos Afro já emplacaram tantas músicas legais!, eles deveriam investir mais na formação dos seus compositores, como fazem as Escolas de Samba do Rio de Janeiro! Afinal:

“Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade
Somos nós a alegria da cidade
Apesar de tanto não, tanta marginalidade
Somos nós a alegria da cidade”

 

 

VOLTA ÀS AULAS: A FELICIDADE GUERREIRA

Detalhes
Publicado: 04 Fevereiro 2023

Paulo Gabriel Soledade Nacif

Quem não se cansa de ler “Cem Anos de Solidão” sabe bem o tamanho da felicidade que a volta de Úrsula causa em José Arcadio Buendía: “’Era isto!’, gritava. ‘Eu sabia que ia acontecer.’ E acreditava mesmo nisto, porque nas suas concentrações, enquanto manipulava a matéria, rogava do fundo do seu coração que o prodígio esperado não fosse a descoberta da pedra filosofal, nem a liberação do sopro que faz viverem os metais, nem a faculdade de transformar em ouro as dobradiças e fechaduras da casa, mas o que agora tinha acontecido: a volta de Úrsula.”

É isso!, a volta às aulas, notadamente num Estado como a Bahia e, ainda mais, nesse momento de novo normal pós-pandemia, deve causar esse tsunami de felicidade guerreira em toda comunidade escolar e também em todos os baianos.

A escola é a maior tecnologia inventada pela humanidade. É incrível como ela se constitui a partir de uma comunidade imediata e, a partir desse nó, completa a sua existência numa rede de elementos interativos constituídos pelas dimensões material, social e política. Sem considerar essa dinâmica da rede, definida por atores, instituições, mensagens, crenças e valores que a frequenta e apesar da concretude com que um prédio escolar se impõe aos nossos sentidos, não é possível apreender essa escola em sua completa existência. E, sem isso, não enfrentaremos nossos desafios!

É risível qualquer argumento que defende que a Escola pode ser substituída pelo homescholing ou será ultrapassado por processos associados à Educação à Distância. E se você não concorda comigo, e, mais que isso, não sente esse regozijo com o início das aulas, sinto muito: Você precisa revisar os seus conceitos ou aquecer o seu coração.

Sim, há inúmeros desafios que a Escola Baiana precisa enfrentar. Temos 98,2% das nossas crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos matriculados no ensino fundamental, mas só 64,5% concluem essa etapa até completarem 16 anos. No ensino médio, 58,6% dos nossos jovens entre 15 e 17 anos estão matriculados e somente 50,2% concluíram essa etapa ao completarem 19 anos. A proficiência dos alunos do 2o ano do Ensino Fundamental em Matemática e Língua Portuguesa expressa grandes desafios do sistema educacional baiano: Apenas 9,7% dos alunos atingem os dois níveis mais altos, em Matemática, e 8,4%, em Língua Portuguesa.

A Bahia manteve ao longo da sua história uma difícil relação com a educação. O Estado teve a escravidão como mola propulsora do seu desenvolvimento econômico, levando esse processo a estágios superiores a outros territórios no que diz respeito à nossa organização social. Como resultado dessa ignomínia não conseguimos estruturar um pacto para superar esses desafios que, ao fim e ao cabo, ainda persistem retroalimentados por essa herança escravocrata.

Números como esses expressam uma sociedade profundamente desigual no presente e, lamentavelmente, a persistência futura, por décadas, dessa desigualdade perversa. Essa é uma verdade dura e para mudar esse curso será necessário construirmos um processo extraordinário que conduza a uma disruptura sociocultural monumental e virtuosa. É lógico que isso só ocorrerá por processos associados a toda sociedade baiana, mas cabe destacar que a escola é um lócus incontornável para a construção dessa mudança.

O início das aulas é um ótimo momento para refletirmos profundamente sobre a construção desse processo disruptivo a partir da escola. Humberto Maturana (1928-2021) me inspira muito a imaginar a volta às aulas  como um período que deve ser usado para pensar o quanto podemos e devemos valorizar na escola o momento do recomeço: A célula inicial que funda um organismo estrutura uma dinâmica histórica que resulta em um devir de mudanças estruturais contingente com a sequência de interações do organismo, que dura desde seu início até́ sua morte e, assim, o presente do organismo surge em cada instante como uma transformação do presente do organismo nesse instante. O futuro de um organismo nunca está determinado em sua origem. É com base nessa compreensão que devemos considerar a educação e o educar.

Considero que a volta às aulas deve ser comemorada como a chegada do Ano-Novo. Fogos, contagem regressiva na TV, discursos do Presidente, Governador, Prefeito, roupa nova, amigo secreto, banhos de mar e rio, promessas e, acima de tudo, um grande esforço para cumpri-las. Fico sonhando com a instituição do Dia Nacional de Volta às Aulas: Um dia em que todo o Estado/País deve parar para refletir no trabalho, em casa, nas escolas, no trabalho, nos quilombos, no campo, nos territórios indígenas, na periferia, nas praças, nos shoppings, nas redes sociais, nas mídias tradicionais, nas igrejas, em cada canto, sobre o papel da Educação e da Escola e assim se preparar para aproveitar essa dádiva que está na nossa Constituição, o direito ao pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Que promessa você fará nesse Ano-Novo Escolar?

“…Em cada estalo, em todo estopim, no pó do motim
Em cada intervalo da guerra sem fim
Eu canto, eu canto, eu canto
Eu canto, eu canto, eu canto assim
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira…”
Zumbi, Gilberto Gil

A Eternidade do Professor Joelito

Detalhes
Publicado: 17 Fevereiro 2022

Era março de 1985. Depois de um ano muito duro estudando num curso pré-vestibular em Salvador e tendo sido aprovado nos vestibulares de Agronomia na UFBA e Medicina na Baiana, decidi ir contracorrente. Em meio à forte pressão para escolher o curso de maior validação social, parti para visitar Cruz das Almas, aonde pretendia residir.

No ônibus da Empresa Viazul havia um grupo de paulistas – jovens turistas que viajavam para Valença. Começamos a conversar. A viagem era longa, durou quase cinco horas, passamos por Santo Amaro, Cachoeira, São Felix e Muritiba. Ainda fomos brindados com a espera da manobra do trem na Ponte Dom Pedro Segundo, sobre o Rio Paraguaçu – um tédio para a rotina dos  que usavam frequentemente aquela travessia, mas uma festa para nós, jovens universitários. Falo assim porque passei a me sentir imediatamente como um deles. Aquela viagem, com aquele ambiente tão animado e diverso, me cativou completamente. Eu rapidamente me entrosei com aquela turma. Ao chegarmos em Cruz das Almas, só não segui com elas e eles por absoluta falta de dinheiro.  Dois daqueles jovens estudavam agronomia na ESALQ/USP e lembro que um deles falou: “Você estudará com o melhor professor de Solos do Brasil: O professor Joelito!”.

Eles haviam assistido a uma palestra do Professor e estavam encantados com a capacidade de comunicação e conhecimento daquele “Baiano de Aracaju”. O entusiasmo era tanto que o outro estudante logo me disse: “Quando começarem as aulas, procure professor Joelito e se ofereça para fazer qualquer coisa, lavar o laboratório, limpar banheiro, carregar amostra de solos, limpar o sapato dele, qualquer coisa! Mas se aproxime e vá trabalhar com ele!”.  A empolgação daqueles estudantes com o curso de Agronomia e com aquele professor foi decisiva para que eu tivesse certeza de que estava fazendo a escolha correta para o meu futuro!

A viagem com os universitários paulistas e as nossas conversas ficaram guardadas na minha mente! Na primeira oportunidade, ainda no primeiro semestre da graduação, entrei, acompanhado do colega Antenor, no gabinete do “melhor professor de Solos do Brasil” e nunca mais saí. Estou aqui até hoje!

Ser professor é vivenciar uma experiência radical e concreta de imortalidade. O Professor Joelito mudou a minha vida (e de tantos outros) e, podemos, assim, mudar a vida de outros tantos, que farão o mesmo à frente! Como ensina Saramago “se antes de cada ato nosso nos puséssemos a prever todas as consequências dele, a pensar nelas a sério, primeiro as imediatas, depois as prováveis, depois as possíveis, depois as imagináveis, não chegaríamos sequer a mover-nos de onde o primeiro pensamento nos tivesse feito parar. Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão-se distribuindo, supõe-se que de uma forma bastante uniforme e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-lo, para congratular-nos ou pedir perdão, aliás, há quem diga que isso é que é a imortalidade de que tanto se fala.”

Foram muitas as aventuras com Joelito. Na graduação, achava ele tão bom que, em segredo, eu o tratava de Jojó de Olivença, célebre surfista à época! Um dia, depois de horas de coleta de amostras de solos no campo, ele me disse: “ A vida é dura, a gente aqui suando para estudar os solos e tem gente que ainda chama a gente de Jojó de Olivença, não é Paulo? ” E deu um belo sorriso! Até hoje eu não descobri quem contou o meu segredo!

Muitas vezes estivemos em lados distintos. Ele sempre respeitou e até incentivou os meus outros caminhos…

Abaixo, um texto que o emocionou muito. Foi escrito pela professora Lícia Barros, Coordenadora do Programa de Iniciação Científica da UFBA na década de 1980. Resume bem o espírito de Joelito de Oliveira Rezende.

RESPOSTA A UM JOVEM PESQUISADOR

Em recente encontro que uniu o VIII Seminário Estudantil de Pesquisa com o III Seminário Universitário de Pesquisa de Docentes, promovido pela Universidade Federal da Bahia, discutiu-se a “Problemática da pesquisa e suas Implicações na produção do conhecimento”.

Nessa ocasião, ante um quadro bastante desfavorável de omissão, de falta de participação dos professores e alunos, um estudante-pesquisador, Paulo Gabriel Soledade Nacif, da Escola de Agronomia, após o debate, falou em nome dos discentes, deixando uma angustiada pergunta no ar: diante de tamanho desinteresse dos professores, muitos deles repetindo as aulas que proferiram há anos atrás, cumprindo uma mera rotina de despejar conhecimentos (alguns deles já ultrapassados), o que seria dele? Se, após repetidas discussões anuais e reiteradas queixas pela indiferença do professorado para com iniciativas de fomento ao ensino e pesquisa, nada mudou, quem iria lhe socorrer e a seus colegas?

A mesa debatedora, a quem foi dirigida a indagação, devolveu-a ao plenário.

Coube à professora Suzana Alice Cardoso respondê-la com excelente reflexão sobre a postura a ser adotada, salientando a importância de Conselhos e Colegiados assumirem, de fato, o seu papel de formuladores da política acadêmica e neles, cada membro, cada professor, decidir-se por uma efetiva participação, colaborando, desse modo, para o crescimento e melhoria da vida da instituição.

Na oportunidade, dado o adiantado da hora, em muito ultrapassado o tempo destinado à mesa redonda, com prejuízo das atividades subsequentes, abstive-me de interceder, o que faço agora, complementando as palavras da Professora Suzana Alice.

Paulo Gabriel,

Para você, que chegou onde está, que vem se dedicando à pesquisa, não há realmente riscos. Seu trabalho, em conjunto com o colega Antenor Aguiar Neto, é excepcional. Concorrendo ao Prêmio Jovem Pesquisador/1988, obteve nota máxima em todos os itens, mereceu louvores de seus examinadores e a ressalva de que não é apenas uma monografia de graduação. É, sem favor, uma autêntica dissertação, em nível de mestrado, de excelente qualidade.

Portanto, você, Antenor, e todos os 429 estudantes participantes do Seminário de Pesquisa, estão a salvo.

Constituem um grupo especial, alerta, quando muitos hibernam. Já encontraram seus caminhos e estão na direção certa. Mas, e os outros? Sua preocupação – altruísta que foi – se estendeu aos outros. Aos demais alunos de nossa Universidade. Sobre eles recai, evidentemente, uma ameaça. O que pode então ser feito?

O quadro não é tão desolador! Há muitos professores cientes de suas responsabilidades, dedicados ao seu mister. Vocês próprios tiveram a chance de conseguir um orientador do quilate do Professor Joelito de Oliveira Rezende, altamente interessado na formação do pesquisador, na melhoria da qualidade do ensino. Como ele, há dezenas de outros. Mas a grande massa estudantil não percebeu, não se interessou, não está usufruindo. Esses mestres passarão e terão que ser substituídos, no futuro.

Então, a solução está exatamente em vocês. Os seus contemporâneos – infelizmente – continuarão alheios aos benefícios.

Mas as outras gerações de estudantes hão de sentir os influxos benéficos advindos da riqueza latente de cada um de vocês – pesquisadores incipientes de hoje. Cada ação, embora isolada, irá contagiando quem lhe rodeia e, como círculos concêntricos, expandindo seu raio de alcance. Na introdução do livro de resumos das Comunicações do último Seminário citei Machado de Assis, ao dizer que “alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões”.

São vocês, estudantes, a âncora, a tábua de salvação! Continuem! Cada um de nós forja o próprio destino, Deus nos deu o poder de “decidir, de perseverar em vez de desistir”. Por isso, parafraseando Og Mandino, escolham crescer… em vez de apodrecer, agir…em vez de procrastinar. Usem com sabedoria o seu poder de escolha. Chegará o dia em que seus planos serão ouvidos pelos outros e “suas palavras se transformarão em feitos realizados”.

A resposta, jovem, está em suas mãos.

Salvador, 15 de dezembro de 1988.

Lícia Margarida Senna Borges de Barros

Coordenadora do Programa Estudantil de Pesquisa da UFBA

  1. RECÔNCAVO ABSOLUTO: SUA MAGIA, SEUS LICORES
  2. HISTÓRIAS DA UFRB E DO RECÔNCAVO
  3. AS BIFURCAÇÕES DA VIDA E A ELEIÇÃO DE 2002 PARA DIRETOR DA ESCOLA DE AGRONOMIA
  4. Universidade Federal de Dona Canô – UFRB

Página 2 de 11

  • 1
  • 2
  • 3
  • 4
  • 5
  • 6
  • 7
  • 8
  • 9
  • 10
© Gantry Framework 2016 - 2025
Developed by RocketTheme exclusively
for Gantry 5.
Voltar ao topo